30 novembro 2005

Muriel - Ruy Belo

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontro
sem que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anosjunto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido
Ruy Belo

29 novembro 2005

O Tempo só falta no fim…

Recordo-a com saudade… Foi a nossa conversa, a última conversa, não a esqueci, nunca a esquecerei... Uma conversa simples, sem importância absolutamente nenhuma.
Para ti P.

20 novembro 2005

(In)Confidências…

A combinação era quase perfeita, o chocolate quente, o cheiro a canela que se fazia sentir da entrada até ao interior, o esplendor da decoração, onde o verde e o vermelho eram as cores predominantes, num contraste com as madeiras velhas das mesas e dos armários, o azevinho que sugeria a proximidade da época natalícia, o calor que se fazia sentir, naquele lugar tão pequeno, mas aconchegado, fazendo esquecer o frio e a chuva que caía para lá da janela, que desvendava um jardim, onde imaginávamos a vida completa em comum e num regresso, para recordar exactamente, aquele momento... O momento que estávamos a viver, o nosso momento...

Momento...

Ainda com a incerteza daquilo que nos iria acontecer, consegui naquele ritmo apressado, um momento de lucidez e olhar para ti… Já não havia mais tempo, o ritmo da despedida tinha de ser acelerado, a nostalgia ocupava agora a nossa alma, os nossos corpos fraquejavam com o frio que se fazia sentir… Era provavelmente o último encontro, talvez o último olhar, admiti pela primeira vez sinceridade no teu olhar, sempre confuso, impreciso, naquele dia, estava diferente, era profundo, definido, as lágrimas caíam-te com espontaneidade e com a sinceridade que sempre esteve ausente, não permitia a dúvida que habitualmente me ocupava. Foi o momento da nossa despedida…

10 novembro 2005

Viagens...

"O que mais deixei para trás, em cada viagem que fiz, foram os amigos que não voltei a ver. Amigos verdadeiros, instantâneos, instintivos, amigos do peito, para toda a vida. cá dentro, sou um português macambúzio, fechado sobre si mesmo, frequentemente de mal com Portugal e com os portugueses. Lá fora, sobretudo quando viajo sozinho, sou um homem novo, sem pais, sem destino, sem passado nem futuro: apenas o tempo que passo. E assim, porque sou verdadeiramente livre e desconhecido, acontece-me frequentemente tornar-me íntimo amigo de pessoas que acabei de conhecer há meia dúzia de horas. Tudo é genuíno e generoso nesses encontros e, quanto maiores são as diferenças, mais evidente se torna o que é essencial nas relações entre as pessoas. Não esperamos nada uns dos outros, apenas o privilégio de viajar juntos, beber uma cerveja juntos, ficar à conversa por uma noite adiante.
Disse uma vez, uma dessas constrangentes despedidas, um amigo sarahui:"Os que não morrem, encontram-se." Mas aprendi que não era verdade, infelizmente. quando muito, poderia talvez acreditar que os que se encontram nunca mais morrem na nossa memória. Mesmo que apareçam tão somente assim, esporadicamente, do fundo de uma gaveta, onde vive, arquivada, a luz dos dias felizes."
Miguel Sousa Tavares - SUL Viagens

09 novembro 2005

Amor...

Tambem os génios têm falhas... Tu és o meu génio amor... Admiro-te não só pela beleza... mas essêncialmente pela tua inteligência...

07 novembro 2005

(In)Fidelidades...

Momentos soltos, Relembram, Um falso Passado, Vivido… Um falso Passado, Falsamente esquecido… Não. Sempre relembrado… Vivido apenas no presente, Vivido isoladamente, Na mente, Na mentira.

06 novembro 2005

A Arte de Pensar... Porque pensar, foi, é e será sempre uma arte...

Paramos para Pensar? ou, Pensamos sem Parar?
A Arte de Pensar..., surge com a necessidade de colmatar um vazio existente, entre a espontaneidade do pensamento e o pensamento metódico, fazendo surgir quase em simultâneo, a questão colocada inicialmente, Paramos para Pensar? ou Pensamos sem Parar? Porque pensar, foi, é e será sempre uma arte, julgo que é bastante importante, abordar esta temática, por forma a, promover e incentivar o seu recurso... Por vezes, completamente alheios, á importância do pensamento, tomamos decisões, respondemos e defendemos, determinadas causas, de uma forma quase irracional, relegando para um outro plano qualquer, o acto de pensar. Pensar, parece ser um “exercício”, cada vez menos comum, na geração presente e na minha opinião, com uma perspectiva bastante pessimista, para as gerações que ai se avizinham.... O constante avanço tecnológico, a falta de hábitos de leitura e de escrita, o desinteresse generalizado pelos assuntos da actualidade, são alguns dos factores determinantes e que podem estar, na base deste problema que é, a falta do método racional. Opta-se cada vez mais, ainda que, de uma forma inconsciente, pelo pensamento espontâneo, em detrimento, do pensamento racional e metódico, que nos permite caracteriza-lo como uma arte... ao que parece, cada vez menos acessível, o que não deixa de ser paranormal, se tivermos em consideração, que todos partilhamos desta “matéria-prima” (capacidade de pensar), para sermos “belos artistas”... O ditado é velho, mas mantêm-se actual, “não basta ter um piano para se ser pianista”, isto é, não basta pensar com a espontaneidade, com que, o pensamento surge, mas, por outro lado, trabalhar essa mesma espontaneidade e aplicar-lhe um método, para que o pensamento, de uma vez por todas, seja racional e se possa assumir, como uma característica exclusivamente humana, relegando, para um outro plano, as sucessivas reacções instintivas. Reavivar hábitos, como a leitura, a escrita, o convívio “ in loco”, o interesse pela realidade circundante, são com certeza ” ingredientes” suficientes para começar a inverter esse processo de “regressão intelectual”. No entanto, falta saber até quando, estamos na predisposição de manter a inércia, a passividade e ainda alguma serenidade, perante este problema de falta de racionalidade metódica, e inverter assumida e definitivamente, este processo.
Momentos perdidos, De amor cego, De sonhos desejados…
Sonhos perdidos… De momentos vividos, De amores desejados,
Momentos cegos… Momentos…
Nas estantes da memoria, Eternizam-se os momentos, Duma vida repleta… Sonhos, conquistas, amores, Desavenças, perdas e dor… Nas estantes da memoria, Eternizam-se os momentos, Duma vida repleta…
Moves-me para onde não posso ir, Cedes-me o que nunca poderei ter, És fonte de prazer ilimitado, A chama que ilumina a razão… Onde começas ou terminas? Não sei… Nunca tentarei desvendar… És o mistério que me acompanha, Sem ninguém, nem eu mesmo notar, Onde ninguém, Só Eu, consigo entrar…
A busca finita, Num sonho infinito, Num tempo finito, Numa alma infinita...
Porque te amo… Porque te quero… Porque foste um dia, um sonho realizado… Porque és hoje, o sonho perdido… Porque te quero… Porque te amo… Luto.
Com olhar impenetrável, Para a verdade distante, Não permito a proximidade… Porque o sonho, Tem de ser vivido, E porque a verdade destrói,
Não amo a realidade…