17 outubro 2007

Mu(n)do...

Lá fora, o mundo persiste em acontecer… sou nada… quase ninguém… sou um peso de corpo… sem alma nem pensamento… sou resto de tempo… que ainda não passou… mas que não tardará… sou certeza no fim… num tempo incerto… sou mais um… um, entre tantos outros como eu… outros, que me transformam em nada… sou tudo isto… tão pouco… quase nada… na realidade… mesmo Nada. Aqui dentro… num outro mundo… mundo livre… da prisão do tempo… e dos juízos… sou rei e Cristo… sou alma e paixão… sou sonho e desejo… sou Liberdade… sou Eu… aqui dentro… escondido… num mundo, que lá fora… persiste em acontecer…

10 outubro 2007

Monte Alentejano...

Reabro os olhos… foco o olhar… eis que surge o imenso monte alentejano… e com ele, o desafio… o medo da sua imensidão… da perda… limito-me à orientação dos sentidos… e sob o comando do olhar, sigo a lua que me devolve a imaginação… sinto a brisa que me acompanha num rumo ainda desconhecido… vagueio por um caminho… um caminho qualquer… vou fantasiando o som harmonioso de uma guitarra que me embala ate ao regresso… de um sentimento que nunca partiu… que na verdade, nunca senti… desejei-o unicamente… para mim, ou à semelhança de Pirandello, “para um Eu, entre os cem mil que sou”… Fecho os olhos… para que ao reabri-los esteja novamente, num outro lugar qualquer… um novo palco… iluminado sob o testemunho da Lua… onde, uma vez mais, me revelarei diante de Vós.

28 agosto 2007

Viver... é participar... afirmavas...

Viver é participar, afirmavas… se a participação for conduzida pelo olhar atento… atento aos sinais do tempo… ás expressões… aos rostos… ás manifestações… aos pormenores… que revelam inúmeras confissões involuntárias… Gestos simples… olhares brilhantes e estáticos… sorrisos discretos mas reveladores… toques inocentes…. desejos… sonhos… e vontades… algumas proibidas… Raros momentos de brilho… onde as palavras são substituídas na tradução dos sinais… perante a eficiência do olhar… Dizias-me também… que nunca o olhar te traiu… apesar da traição ser uma dádiva da felicidade… fazias-me compreender que sem a traição… sem o mal… talvez o bem não existisse… ou fosse tão valorizado… afinal… há momentos em que a existência das coisas más… enaltecem todas as coisas boas… talvez eu não tenha percebido a base da tua lição… talvez… tenha estado demasiado atento... preso… ás tuas palavras… talvez… seja ainda a criança que sempre desejaste que eu fosse… e não tenha ainda aprendido a olhar… como tu… pai... sempre me ensinaste a fazer… olhar o mundo… para a frente… sem o medo do mal… porque é ele… dizes tu… que mais nos ensina… e nos fortalece… e faz crescer… Viver é participar… se a participação for conduzida pelo olhar atento… atento aos sinais do tempo… ás expressões… aos rostos… ás manifestações… aos pormenores…

20 agosto 2007

"És Feliz?..."

“És feliz?”… a pergunta surpreendeu-me… momentaneamente… o silêncio dominou-me… a mim e ao tempo… mas a minha expressão… permaneceu astuciosamente imperturbável… aparentemente a pergunta era simples… corriqueira… de resposta fácil e imediata… Mas afinal, o que é ser-se feliz, quando desejamos carregar o carácter da honestidade na resposta? Talvez por isso… tenha recordado todos os meus momentos… todos… voltei a sentir o cheiro da canela… a sentir o aperto da saudade… o correr da lágrima na despedida… o som da música que marcou a nossa primeira noite de amor… voltei a sentir o frio… no jardim… cheio de folhas caídas… revelando as marcas do Outono… a marca da saudade… onde vagueámos de mãos dadas… esquentando a alma mais do que os corpos… que se configuravam num só… cada vez que o nosso olhar se cruzava… sem resistir aos pedidos silenciosos… do amor... “És feliz?”… a minha resposta surpreendeu-me… momentaneamente… o silêncio quebrou-se… a minha expressão foi inequívoca… “Sim… Sou Feliz…”.

13 agosto 2007

"...deixou-me saudades..."

Recordo as palavras... leio-as com regularidade... e com a precisão que cada uma contém… “…deixou-me saudades…” foi o que li… é o que leio vezes sem conta… sempre que sinto a necessidade de entusiasmo… entre todo o texto e todas as combinações das palavras… esta é a combinação que elejo… talvez por isso… pelo efeito da rara combinação… tenho ainda presente… além da mensagem… o papel… a prova… que acarreta o peso desse sentimento… expresso em tinta… expresso numa combinação de sinais… que consigo decifrar… “…deixou-me saudades…” foi o que li… é o que leio vezes sem conta…

17 junho 2007

Momento...

A combinação era quase perfeita, o chocolate quente, o cheiro a canela que se fazia sentir da entrada até ao interior, o esplendor da decoração, onde o verde e o vermelho eram as cores predominantes, num contraste com as madeiras velhas das mesas e dos armários, o azevinho que sugeria a proximidade da época natalícia, o calor que se fazia sentir, naquele lugar tão pequeno, mas aconchegado, fazendo esquecer o frio e a chuva que caía para lá da janela, que desvendava um jardim, onde imaginávamos a vida completa em comum e num regresso, para recordar exactamente, aquele momento... O momento que estávamos a viver, o nosso momento...

10 junho 2007

«O que se quer»

"...Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade..."

M.E.C.

17 maio 2007

* Há comentários que merecem destaque... este é um deles...

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
(...)
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, sãouma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nascostas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea porsopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amorfechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor éamor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como nãopode. Tanto faz. É uma questão de azar.
(...)
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amorque se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se podeceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

12 fevereiro 2007

A Causa das Coisas...


"Outra enormidade actual é a ideia de que dois seres apaixonados podem ser "amigos". Isto é como querer que um vulcão sirva também para aquecer um tacho de sopa. Ofende tanto a amizade – ou o fogão – como o amor – e o vulcão. Ser amigo é querer o bem de alguém. Amar é querer alguém, e acabou. Se for a bem, melhor. Se for a mal é porque teve de ser.
Um vulcão só irrompe de quando em quando, e ás vezes uma única vez. Como o amor. E o fogão dura quase toda a vida, como a amizade. Não haja confusão."
Miguel Esteves Cardoso

21 janeiro 2007

(in)estantes...

As estantes abarrotadas com livros, uniam o chão com o tecto. Eu, estava ausente, concentrado simplesmente em cada título, em cada historia… talvez na busca de um encontro rápido, fortuito, com a minha historia, com instantes do passado… talvez quisesse apenas preencher a solidão que o momento me oferecia, sem que pudesse rejeitar a enfadada dádiva… Senti o olhar cair para um título que não pude deixar de reconhecer… achei-o curioso… desarrumei o livro com a autoridade, com a liberdade de quem comanda a Vida, retirando daquela estante um fragmento que lhe pertence, que na sua ausência, a desnuda, a desprotege, a incompleta, à imagem de um puzzle sem todas as suas peças, talvez, à minha imagem, naquele instante, no meio das estantes…